A VIABILIDADE DA TRANSAÇÃO TRIBUTÁRIA NO ATUAL PANORAMA DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO

É deveras lamentável a condição do contribuinte na conjuntura do Estado brasileiro, na medida que deve respeito à regra de que ninguém se escusa de cumprir a lei, justificando que não a conhece, porém, se vê perante de uma verdadeira balbúrdia tributária.

O sistema tributário brasileiro é um verdadeiro tsunami de normas tributárias inconstantes, contraditórias, antieconômicas, incongruentes e injustas. Os culpados por essa desordem jurídico-tributária são os poderes que a estruturam, sobretudo os responsáveis pela legislação, consequentemente a administração tributária e os tribunais são vítimas da insegurança jurídica propagada pelos legisladores do Poder legislativo, bem como do Poder Executivo na sua função atípica.

Essa estrutura é caracterizada por Emendas Constitucionais e Leis Complementares oportunistas, além dos mais abusos de Medidas Provisórias levando ao desgaste dos princípios constitucionais; falta de sistematização na elaboração das normas tributárias e o uso excessivo e desarrazoado de extrafiscalidade. Entre os efeitos maléficos desse caos, observa-se a metamorfose dos impostos em impostos dos tolos, pois são sustentadas, substancialmente, por cidadãos que não podem contratar uma assessoria tributária.  De outra parte, uma grande parcela de contribuintes, decidem não pagar os tributos, cometendo infrações, por questões existenciais ou criminosas. 

Esses efeitos levam à redução da arrecadação e, consequentemente, ao crescimento de conflitos no âmbito tributário, devendo ser resolvidos na esfera administrativa e judicial, assim, a ineficácia da administração tributária agrupa-se a sobrecarga do judiciário, transformando em uma deplorável desordem jurídico-tributário. Além do mais, evidente que a estrutura escolhida pelo Estado Democrático de Direito, direcionou ao Poder Judiciário a solução das controvérsias nos limites estabelecidos pela lei, todavia, esse rigor legal, obstaculiza uma solução rápida das controvérsias, posto que existem casos que devem ser individualizados.       

O contencioso em matéria tributária é um dos maiores responsáveis pelo excesso de demanda no Poder Judiciário. Assim, o tema transação tributária tem como cenário o fato do judiciário está sobrecarregado de processos fiscais. O Comunicado do IPEA n.º 127 trouxe que a maioria dos processos de natureza tributária perante a Justiça Federal consiste em execução fiscal, cuja morosidade na tramitação gera alto custo ao Poder Público, tornando um mecanismo ineficaz para o recolhimento de tributos e resolução de conflitos entre o Fisco e contribuinte.

Factualmente as execuções fiscais têm sido indicadas como o principal fator de lentidão do Poder Judiciário. Os processos de natureza fiscal chegam na via judicial depois de tentativas frustradas no âmbito administrativo, acarretando sua inscrição na dívida ativa. Desse modo, no judiciário repete etapas já realizadas na via administrativa, como localização do devedor e do seu patrimônio capaz de satisfazer o crédito, assim, chegando no judiciário títulos de dívidas antigas, como resultado, uma menor chance de recuperação.

Nessa mesma linha de pensamento, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em seu relatório “Justiça em Números 2020”, assentado nos dados obtidos no ano de 2019, verificou que o Poder Judiciário constava com acervo de 77 milhões de processos pendentes de baixa, sendo que 55,8% se referia à fase de execução. Dos processos de execução, a maioria é composta por processos de execuções fiscais, que representam 70% do estoque em execução. No referido relatório concluiu-se que as demandas fiscais são as principais responsáveis pelo congestionamento nas varas judiciais, representando 39% do total de casos pendentes, com uma taxa de assoberbamento de 87%, ou seja, a cada 100 processos de execução fiscal, apenas 13 foram baixados.

O estudo supracitado evidenciou que a Justiça Federal concentra a maior taxa de congestionamento de execução fiscal, com 93%, seguida da Justiça Estadual (86%) e da Justiça do Trabalho (84%), ficando a Justiça Eleitoral com a menor taxa (80%). Em se tratando do tempo de tramitação dos processos de execução fiscal, os Tribunais da Justiça Federal ostentam os maiores tempos de tramitação, em média 10 anos. A Justiça Estadual leva, em média, 7 anos e 10 meses, ao passo que a Justiça do Trabalho 7 anos e 1 mês e a Justiça Eleitoral 4 anos e 7 meses.

Ato continuado, no relatório “Justiça em Números 2022”, enfatiza que os processos em fase de execução continuam sendo a etapa de maior morosidade, tendo em vista que o acervo manteve-se de 77 milhões de processos pendentes de baixa no final do ano de 2021, uma vez que mais da metade se referia a fase de execução.

O relatório do CNJ, 2022 aponta que as execuções fiscais, historicamente, como o principal fator de lentidão do poder judiciário. Esses processos correspondem 35% do total de casos pendentes e 65% das execuções paradas no Poder Judiciário, com taxa de congestionamento de 90%, isto significa que de cada cem processos que tramitaram em 2021, somente 10 foram baixados. Além do mais, o impacto mais considerável está na justiça estadual, que concentra 86%. A Justiça federal é responsável por 14%. No estudo aponta que do total de 26,8 milhões execuções fiscais pendentes, 12 milhões estão na Justiça Estadual de São Paulo.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em colaboração com o CNJ, desenvolveu um estudo entre novembro de 2009 e fevereiro de 2011, intitulado “Custo Unitário do Processo de Execução Fiscal da União”, a fim de apresentar à sociedade uma pesquisa que demonstrasse acerca do custo de tramitação nas ações de execução fiscal no âmbito da Justiça Federal. Neste relatório verificou-se que a probabilidade de se obter a recuperação integral do crédito é de 25,8%, com um custo unitário de, em média, R$ 5.607,67.

Segundo o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO), o flagelo do contencioso tributário não vem recebendo a devida atenção pelos entes políticos, tendo em vista que o Brasil é o país com maior quantidade de litígios fiscais. À vista disso, o Instituto contratou a consultoria Ernst & Young (EY), objetivando analisar o contencioso tributário no âmbito federal. O estudo demonstrou que os valores de processo de cobrança, subiram de R$2,275 trilhões em 2013 para R$3,440 trilhões em 2018. Comparando esses valores com o PIB revelaram que nesse período, saltaram do equivalente a 42,7% para 50,4% de todas as riquezas produzidas no país em um ano, ou seja, esse crescimento descontrolado ultrapassa a metade do PIB do ano de 2018.

Para demonstrar a importância desses valores, a pesquisa relaciona-os com o resultado do Balanço Geral da União (BGU), em que o Patrimônio Líquido da União entrou no vermelho a partir de 2015 e continuou piorando até chegar a um resultado negativo de R$ 2,42 trilhões em 2018, neste mesmo período, o estoque do contencioso era de R$ 3,44 trilhões. Em outras palavras, se a União arrecadasse todo o contencioso tributário, o Patrimônio Líquido continuaria no azul. Ademais, a referida pesquisa concluiu que a maior parte desse total representa cobranças que os contribuintes consideram injustas e pleiteiam nas vias administrativas ou judiciais. Com efeito, constataram que a principal causa do estoque do contencioso tribunal federal refere-se a burocracia do sistema tributário brasileiro e suas inúmeras alterações. De acordo com levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), desde a Promulgação da Constituição Federal até 2018, foram aprovadas 16 emendas constitucionais e criadas 390.726 normas tributárias.

Assim, da análise dos dados apresentados, o descongestionamento dos litígios tributários encontra-se além do visível ao horizonte. Nesse contexto, a celeridade é uma das principais preocupações dos operadores de direito na atualidade. Nessa vereda, o Código de Processo Civil de 2015 inovou ao possibilitar a flexibilização da solução de conflitos através dos meios alternativos de controvérsias, uma vez que possibilita o diálogo entre as partes, tendo em vista a ordem constitucional em dar maior celeridade processual. No âmbito tributário, a transação insere-se no contexto do Estado Democrático de Direito, como uma alternativa para desafogar o Poder Judiciário, dando celeridade na tramitação processual, eficiência administrativa, efetivando a ideia de justiça e, consequentemente, maior arrecadação de tributos pelo Fisco, além do mais, existe uma patente necessidade de instrumentos eficazes para solucionar o estoque da dívida ativa.

Os acordos transacionais em matéria tributária, têm o intuito de facilitar a relação entre Fisco e o contribuinte, promover maior segurança jurídica e evitar despesas que a Administração teria com o litígio, nas suas mais diversas esferas de atuação. A solução amigável de um litígio evita o custo com os honorários sucumbenciais, custeio de pessoal, custo financeiro com a imunidade relativa às despesas processuais, além de recursos materiais como papel, tinta, transporte e outros. Como já foi demonstrado que só no âmbito federal, o custo de tramitação nas ações de execução fiscal equivale, em média, a R$5.607,67. Enfim, constata-se que a transação tributária não apenas coaduna com o ordenamento jurídico brasileiro, como também é necessário para a desburocratização. O Poder Judiciário encontra-se assoberbado de demandas tributárias, essa situação vagarosa, em virtude de um sistema burocrático, caracterizado pela ausência de instrumentos eficazes para acelerar a tramitação processual. Nesse contexto, a transação tributária é um mecanismo viável para desafogar o Judiciário. Tal instituto demonstra compatibilidade com os princípios que norteiam o direito público, entretanto, sua eficácia para resolver os problemas enfrentados pelo atual contencioso tributário, somente a experiência na sua utilização poderá demonstrar se produzirá o efeito esperado, pois configura ferramenta pouco explorada no ordenamento jurídico brasileiro, inclusive aguardamos mais debates pela comunidade jurídica.

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